segunda-feira, 31 de julho de 2017

APONTAMENTO RÁPIDO SOBRE FOGOS



APONTAMENTO RÁPIDO SOBRE FOGOS
30/07/17

                                                           “O Mal não deve ser imputado
                                                             apenas àqueles que o praticam,
                                                             mas também àqueles que pode-
                                                             riam tê-lo evitado e não o fizeram”.
                                                             Tucídides (460 – 396 AC).

    Relembremos: só há fogo se houver uma conjunção de três coisas, conhecidas pelo “triângulo do fogo”, a saber: um comburente, uma matéria combustível e uma fonte de ignição (ou calor).[1]
    Presumo que, por esta altura, autoridades politicas, policiais, bombeiros, até mesmo juízes, etc., já tenham noção disto.
    Ora o oxigénio (que actua como comburente) é um elemento contra o qual não se deve actuar; o combustível (neste caso a floresta, as casas, as pessoas, etc.) é justamente, o que se quer preservar e a acção que gera a ignição é o que se quer evitar.
    Desta equação simples de enunciar, mas complexa de resolver (embora também não convenha complica-la) se deve partir para a resolução do problema.
    Ora a conjugação simultânea das três variáveis do dito triângulo é extremamente difícil de ocorrer naturalmente (experimentem colocar umas folhas secas na varanda cobertas com um fundo de garrafa, ou uma lente, e esperem por uma ignição espontânea, para terem uma ideia da coisa) restando, deste modo, a mão humana para originar as catástrofes que nos causticam e castigam desde sempre, mas com especial fervor nas últimas quatro décadas!
    Dado que precisamos todos – animais e plantas – do oxigénio para a vida, convém preservá-lo a não ser quando, pontualmente, o suprimimos em espaço e tempo confinados, num ataque químico a um fogo, resta-nos actuar sobre a matéria combustível e as possíveis acções que geram a ignição.
    Para o “combustível” é apropriada a prevenção; para a ignição é conveniente o ataque apropriado e à bruta.
    Expliquemo-nos.
    Na questão da prevenção têm sido apontadas “paletes” de acções e soluções, por um conjunto alargado de especialistas. Mas como este âmbito custa dinheiro, trabalho pouco visível, nenhumas honrarias, ou oportunidades de negócio (e não rende votos), não tem havido a menor vontade política em as pôr em prática.
    Entre elas estão a repovoação do interior do País (esperemos que não com migrantes…); a escolha adequada das espécies vegetais a plantar; a limpeza da floresta; a construção de aceiros e áreas de segurança; vigilância q.b., leis apropriadas, etc..
    Pouco se tem feito neste âmbito o que, convenhamos, é de suspeitar…
    Finalmente existe a questão da ignição.
Ora já vimos que a ignição é difícil em termos naturais – e que dizer dos fogos durante a noite? - pelo que, para a sua origem, resta a mãozinha humana.[2] Mesmo tendo em conta a pressurosa ajuda do Director da Polícia Judiciária…
    Estas causas podem ser englobadas em dois âmbitos: no do descuido, descaso ou acidente – como é o caso de erros nas queimadas, negligência social quanto a beatas e fogueiras, etc. - e em motivação dolosa.
    A alienação mental tem sido o bode expiatório para desculpar uns e outros…
    Ora tem de haver maneira de detectar e prender os autores que estão na origem dos incêndios e julgá-los munidos de um “edifício” legal adequado e duro. Muito duro.
    A razão é simples: enquanto não se cortar a mão ao incendiário (e à mão que eventualmente esteja por detrás) o problema – que tem consequências catastróficas – não se resolve, mesmo fazendo a melhor prevenção do mundo![3]
    É preciso pois, investigar (até preventivamente) todas as pessoas/entidades a quem possa interessar esta calamidade pública, que não deixa de ser também uma forma de terrorismo.
    É que mesmo tendo fechado o hospital Júlio de Matos, não deve haver assim tantos malucos à solta…
    Resta a questão do ataque aos fogos.
    Dizem que há poucos meios; diria que talvez haja até demais. E estou convicto de que quanto mais dinheiro o Governo prometa que vai verter neste poço sem fundo, mais incêndios vai haver…
    Creio até que seria melhor pensar na adequação dos meios e nas entidades que os operam e refundar de alto abaixo o Serviço Nacional de Protecção Civil e seus componentes.
    Verão que ainda poupam meios, gastam menos e obtêm melhores resultados, embora seguramente, se tenha que deixar de fora alguns negócios para os amigos e se percam muitos lugares para a rapaziada dos Partidos…
    E, bem entendido, é necessário parar o massacre que a comunicação social, sobretudo as televisões, faz sobre este drama e restante acção deletéria.
    No fundo toda a gente opina, grita, discute – normalmente à frente de uma boa refeição, ou no intervalo da praia – mas quem verdadeiramente tem que decidir sobre estes assuntos e estabelecer uma estratégia com cabeça tronco e membros e continuada no tempo, aos costumes diz nada.
    A não ser palavras de circunstância repetidas ano após ano.
   Não há autoridade para nada e estão, ao que parece, democraticamente inibidos.
    O que será que os inibe?
    Porque se rendem à magnitude da tarefa?
    Porque não querem mexer em interesses instalados?
    Porque depois da Ministra Constança ter informado que já contabilizara 7795 (!) fogos desde o início do ano, isso ainda não lhes parece suficiente?
    Será que depois de ano após ano se prenderem cada vez mais incendiários (o que lhes acontece?), a PJ e a PGR serão tão incompetentes que nunca conseguiram estabelecer elos de relação causa/efeito?
    Até o Presidente da República – esse novo bombeiro voluntário dos afectos para todo o tipo de fogos - não encontrou nada melhor para afirmar, na visita que fez a Mação, do que “em ditadura lembro-me há 50 anos, era possível haver tragédias e nunca ninguém percebia bem quais eram os contornos das tragédias porque não havia um MP autónomo, juízes independentes e comunicação social livre. Em Democracia há tudo isto”.
    Ou seja agora, felizmente sabe-se tudo e percebe-se tudo. Como se tem visto.
    Vão ver que a culpa dos 64 mortos (?) de Pedrógão Grande ainda vai ser atribuída ao Professor Salazar.


                         João José Brandão Ferreira
                               Oficial Piloto Aviador


[1] Recorda-se que combustível é tudo o que é susceptível de entrar em combustão; comburente, é todo o elemento que associado quimicamente ao combustível o faz entrar em combustão; calor é a temperatura de ignição (a temperatura acima da qual um combustível pode queimar).
[2] Não estamos a falar de excepções como são o enxofre e os metais alcalinos (ex. o potássio, o cálcio, o magnésio, etc.) que se inflamam directamente no estado sólido…
[3] Estivemos há pouco num país do Magreb, onde como se sabe, faz um calor dos diabos. Neste país existem extensas zonas de floresta em zonas montanhosas de difícil acesso. Não me parece que a prevenção seja grande coisa; há lixo por todo o lado; a população é socialmente bastante mais indisciplinada do que a nossa (e também fuma e faz picnics) e os meios de combate a incêndios são seguramente mais fracos que os nossos. Não há fogos? Há, mas consegui percorrer centenas de quilómetros e não me lembro de ter visto nenhuma área ardida.

terça-feira, 18 de julho de 2017

TANCOS, AS ARMAS E A ÓPERA BUFA



TANCOS, AS ARMAS E A ÓPERA BUFA
17/07/17


                                            “O Homem é o Homem e a sua circunstância”
                                                                  Ortega y Gasset


    A ópera continua…
    A única coisa que parece certa no meio de tudo o que se passou é o facto das autoridades portuguesas – sejam elas do âmbito da Defesa, das Forças Armadas, das Forças de Segurança, dos Serviços de Informações, da Justiça, enfim, de toda a parafernália que enforma o tão decantado “estado de direito democrático” – andarem à deriva e não terem a mais pálida ideia do que se passou e como se passou!
    Existem algumas perguntas óbvias que é necessário fazer, dado o assunto ter caído na praça pública. E a primeira é já esta: porque é que o evento, dada a sua delicadeza, caíu no domínio público (que se saiba o furto não foi descoberto por nenhum jornalista…)?
    A que se deve seguir a questão de se saber quando foi feita a última inspecção aos paios?
    Quem tinha acesso aos mesmos? O que é que lá havia efectivamente (desculpem, mas depois de tudo o que já foi dito, tenho dúvidas se alguém sabe a lista do material lá existente)?
    Como é que este tipo de informação foi parar às mãos de hipotéticos bandidos?
    Como é que os paióis foram violados e quando (e o “quando” pode ser diferentes vezes…)?
    Finalmente é necessário saber (a quem investiga o caso, obviamente) que relatórios foram feitos ao longo do tempo, a fim de avaliar os verdadeiros responsáveis em todo este âmbito.
    Também seria curioso descortinar quem fez a fuga de informação para o jornal “El Espanol”, que revelou a lista do material roubado, ou furtado (vejam bem onde chega a discussão!), complementada com um artigo arrasador do correspondente, em Lisboa, do Jornal “El País”, e que nos expõe ao ridículo!
    E é caso para perguntar, se a notícia é falsa porque não se levanta um processo ao jornal?
    Pelo meio desta surrealista situação apareceram umas almas penadas, cheias de teias de aranha, a arengar que tudo não passou de um “golpe da Direita” – como se houvesse alguma “Direita” - para prejudicar o Governo. Não há pachorra!
    Tudo piorou, porém, com o regresso do Primeiro – Ministro do remanso das suas férias, quando à revelia do que se tinha dito até então, tudo foi desvalorizado; deixando o roubo de ser grave, tão pouco perigoso sendo, afinal, todo o mundo competente, não havendo lugar a demissões!
    E até os dois generais que se demitiram por não concordarem com tanta pouca vergonha estavam era ressabiados (como puseram a correr…)[1]
    Resta apenas saber se os cinco comandantes que foram “exonerados provisoriamente”, irão passar a “definitivamente”, ou não!
    Num passe de mágica o assunto morria ali, ao mesmo tempo que se passava um atestado de menoridade mental à generalidade da população.
    Soube-se entretanto, que o CEME, numa manobra táctica inspirada provavelmente no “emprego de armas de tiro tenso no ataque aos pontos de cota mais alta”, já não quer os paióis de Tancos para nada, andando afanosamente à procura de alternativa.
    Logo agora que o senhor ministro, na sua cândida magnanimidade, tinha aberto os cordões à bolsa e mandado reparar a rede e o sistema de videovigilância. Não se faz!
    Para o cenário da Ópera (Bufa) ficar completo o PM e o MDN atiraram com o sorridente CEMGFA para a frente dos microfones (que, supostamente representava, no momento, todos os militares), ficando eles atrás do dito, com ar de quem estava a levar um clister – que momento de glória, senhor general! – para finalmente nos elucidar e para nosso descanso, que afinal a maioria do material desaparecido estava para ser abatido e só valia 34.000 euros! (esquecendo-se convenientemente de dizer que o material obsoleto não deixa de ser perigoso e que o grave de tudo tenha sido a violação dos Paióis…).
    Sem embargo confessou ter levado um “murro no estomago”, o que apesar se ser uma expressão infelizmente apenas metafórica, lhe deve ter afectado o raciocino e as vertebras da coluna.
    Murro, que não alterou a boa disposição para a sardinhada que mandou preparar no dia seguinte, em S. Julião da Barra, para os seus colaboradores mais próximos.
    Melhor senso teve o pessoal da Antiga Escola Prática de Engenharia que cancelou as cerimónias anuais do dia da Arma, a 14 de Julho, devido aos tristíssimos eventos ocorridos e ao ambiente de cortar à faca que se vive.
    A Instituição Militar está de facto, em queda livre…
    A performance do CEMGFA não deixa de representar, todavia, um grande “sacrifício pela Pátria”, o que não deixará seguramente de ser recompensado no próximo dia 10 de Junho com a atribuição pelo PR da republicaníssima “Ordem da Tristíssima Figura”, grau latão, arrematando-se a coisa, no fim, com uma “selfie”.
    Se o CEME tem sido “brilhante” na sua actuação, o CEMGFA consegue superá-lo. Compreende-se, é um superior hierárquico!
    Os professores/instrutores que ensinam “Comando e Liderança” aos cadetes e oficiais, já têm aqui exemplos a apontar.
    Daquilo que se não deve fazer.


                                                      João José Brandão Ferreira
                                                          Oficial Piloto Aviador


[1] Eu ainda me lembro que a pior alcunha que se podia pôr a um cadete da Academia Militar ou da Escola Naval era o de “sabujo”. Infra sabujo.

sábado, 15 de julho de 2017

DESCOLAGEM PARA O ÚLTIMO VOO: General Casimiro de Jesus de Abreu Proença – Presente!



 DESCOLAGEM PARA O ÚLTIMO VOO:
General Casimiro de Jesus de Abreu Proença – Presente!

14/07/17

                                                                      “O homem é o homem e a sua circunstância”
                                                                                                Ortega y Gasset

     A “minha” Força Aérea (FA) está a desaparecer.
     Isto é, a FA onde fui formado e que conheci - mas que nunca conhecemos no seu amplexo mais amplo...
     No caso vertente os homens com quem privei (já não fiquei para conhecer as mulheres…), ou seja as pessoas que fazem as Instituições.
     Sem embargo das Instituições serem muito mais do que as pessoas que as constituem em cada momento, pois transportam consigo o cadinho do trabalho e do espírito de todos os que antecederam os contemporâneos, e as projectão no futuro.
    Numa palavra estão antes delas e para além delas.
    O General Casimiro Abreu Proença, ontem falecido com a provecta idade de 86 primaveras foi um dos oficiais que deixou uma boa marca na Instituição FA, não a desmereceu e passou o testemunho positivamente aos vindouros e ao País.
    Digo isto pois tive o grato gosto de o conhecer – apesar de já num estágio avançado da sua carreira – e de o comprovar.
    Razão porque estou aqui a atestá-lo e, se me permitem, a homenageá-lo.
    O “nosso” General teve uma carreira típica e “pura” dentro do Ramo que escolheu (e foi aceite!) entrar, em 1949, tendo feito o seu tirocínio nos EUA, na prática a única saída do país para uma estadia no estrangeiro, que efectuou, numa altura em que estas “comissões” eram raras.
    Fez toda a sua carreira subindo a pulso a cadeia hierárquica dos postos, funções e das qualificações, tendo por pano de fundo a aviação de transporte (Noratlas, DC-4, C-54, DC-6 e B-707) sem embargo de ter sido “caracol” (instrutor na esquadra de instrução complementar, equipada com T-33).
    Ilustrou a sua existência com duas comissões nos teatros de operações de Angola e Moçambique, em operações reais de combate, na defesa da Pátria.
    Esteve do lado (certo) das forças sãs, na defesa da Nação e do Estado, durante a louca aventura que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 e foi um dos “vários braços” que a nova chefia da FA – que por especial graça divina, recaiu no General Lemos Ferreira – teve a sorte e o saber de encontrar para projectar o futuro da FA, que esteve em sério risco de desaparecer.
    O General Abreu Proença era uma pessoa simples e directa e, apesar de não possuir o dom da palavra, conseguia dizer tudo o que queria e fazer-se entender sem ouropéis de frases redondas.
    Foi um operacional e nunca foi um “político”. Era leal e nunca se pôs em bicos dos pés.
    Era humano e não consta que alguma vez se tenha desonrado.
    A FA deve preservar a sua memória.
    Deixa saudades a quem o conheceu; a mim, seguramente deixa.
    Meu General estou certo que efectuará uma suave aterragem no seio da nossa Padroeira, Nossa Senhora do Ar.


                                           João José Brandão Ferreira
                                               Oficial Piloto Aviador