sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

O SENTIDO DA VIDA

“O espírito português é avesso às grandes abstrações, às grandes ideias que ultrapassam o o sentido humano”.
Jorge Dias[1]

“Na morte o homem acaba e a alma começa”.
Victor Hugo

O sentido da vida escapa-me.

Escapa-me o sentido da vida.

Nascemos, vivemos e morremos…

Não sabemos de onde vimos e porque vimos.

Passamos um tempo mais ou menos fugaz, em que pensamos, por norma pouco e mal.

E depois partimos sem saber para onde vamos, ou se vamos.

Então porque ou para que, vivemos? Quem nos enviou? Foi um acaso biológico?

Para fazer o quê? Com que finalidade?

Mas se morremos e ficamos apenas pó, que sentido é que isso tem?

Para fazer sentido só algo que nos transcenda. Deus?

Deus faz sentido. Mas só faz sentido se O alcançarmos e deixarmos que Ele nos alcance.

Deus é, assim, uma realidade teológica (e teleológica); uma necessidade filosófica e uma (quase) verdade científica.

Só aparenta haver três vias para o alcançar: pela Razão, pela Fé ou por ambas.

Mas enquanto O não alcançamos a vida não faz sentido. É apenas um fenómeno da Natureza? Um “grão de areia” na imensidão inimaginável do Cosmos? Imensidão que é outra coisa que sentido, não faz…

Mas mesmo supondo que a nossa relação com Deus é pacífica, continua a não fazer sentido, o sentido do nosso caminhar pela Terra.

No conceito cristão, o sentido da vida é a salvação e, nesse âmbito, o sentido da vida é aquele que nós escolhermos. Ou seja, nós temos que criar um sentido para a nossa própria vida!

Tal, porém, não nos sossega. Por exemplo, como entender, então, que a vida para uns possa durar horas; outros, décadas e alguns mais de 100 anos?

Na vida movemo-nos por instinto e pela razão, quando e se a ganhamos. Mas, sobretudo pelo sentimento e pelo desejo. O desejo equilibra-se entre a razão e o instinto.

O instinto dá-nos o ímpeto da sobrevivência (e da reprodução). O medo da morte, também. Idem para a dor física, outro factor preponderante da sobrevivência, logo da vida.

A dor espiritual é, por sua vez, uma pena que nos azucrina a existência.

Desistimos de viver – uma decisão condenada por todas as religiões (se Deus deu a vida só ele a poder tirar…) – quando a dor da existência é superior ao instinto de sobrevivência, quando a razão nos diz que estar vivo não vale a pena, ou quando deixamos de ter medo da morte, ou esta aparece, simplesmente, como salvadora de algo que nos é extremamente penoso.

De facto a vida é um roteiro maravilhoso, uma graça, cheia de encantos, mas que acaba por ser sempre penosa. Para muitos, muito penosa, até revoltantemente penosa.

O próprio Cristo que o diga. E Ele, tanto quanto se sabe, só pregou e fez o Bem.

Ora o Mal existe em contraponto ao Bem.

Deus podia não existir, mas o Mal e o Bem existem. São palpáveis, mas (mais difícil ainda) sendo mutuamente exclusivos, interpenetram-se.

Estão dentro de cada um de nós e à nossa volta.

Deus existe como Ser absoluto, intangível, perfeito, por definição.

Mas, a um ser perfeito, só faz sentido que conceba coisas boas. Como explicar então a existência do Mal?

O Mal e o Bem são inatos e, ou, apreendemo-los através da nossa vivência?

Deus ter-nos-á criado para o Bem, mas deu-nos o livre arbítrio (a liberdade) de o poder escolher ou não?

Estaremos a ser testados para uma escolha ou trata-se de uma aprendizagem para uma evolução cognitiva mais elevada? Para ter acesso a um nível de consciência superior?

Mas, se sim, porquê? Com que objectivo?

Vamos e vimos, isto é, reencarnamos (as vezes que forem precisas)?

Segundo a doutrina cristã a vida é única e irrepetível, ficando a aguardar a ressurreição e o julgamento final.

Resta o mistério da Criação.

Ora “o nada” não pode gerar nada. A Criação necessita de um Criador.

Resta saber quem criou o Criador…

Temos que parar aqui e assumir (e aceitar) que há mistérios para os quais nós não estamos em condições de decifrar ou compreender.

É como termos a consciência de que a percepção da própria realidade é muito curta e falível, já que a nossa capacidade sensorial é assaz limitada. Nós não vemos o ar, mas sabemos que ele existe e um cão, por exemplo, bate-nos aos pontos em termos de espectro acústico…

O sentido da vida escapa-me.

Escapa-me, sobretudo, a finalidade.

Calha que vou conseguindo viver sem que as dúvidas me tirem o sono.

Vou dando conta que vou cumprindo o ciclo de nascer – para o que, ao que sabemos, em nada concorremos -, viver – no meio de biliões que fazem o mesmo, provavelmente com as mesmas interrogações - e morrer – em data incógnita.

Para os ateus – no fundo seres sem Esperança e sem Fé, mas não necessariamente despidos de Ética ou de Caridade – fina-se ali o ciclo.

Para os crentes segue-se a passagem à vida eterna, segundo o que acreditam.

Numa sociedade onde se fala de tudo e se discute tudo, raramente se reflete sobre estas coisas que são, no fundo, o fulcro da nossa existência.

A Comunicação Social, os filósofos e os ideólogos, porque estão eivados de Ciência e Positivismo e, desde há poucas décadas, de Relativismo Moral; os membros das várias confissões religiosas, por receio que algo possa pôr em causa as suas verdades ou beliscar a doutrina; os políticos, porque tal discussão não rende votos, além de que são todos “rigorosamente” laicos; os indivíduos por simples medo: medo de si mesmos; medo do ridículo; medo do incómodo.

Raro os namorados trocam ideias sobre estes temas; idem para marido e mulher; pais e filhos; os amigos entre dois copos.

É nisto que (ainda) estou, esperando que o tempo (o que é o tempo?) se escoe até ao dia em que partimos.

O dia em que, segundo a expressão feliz de Victor Hugo, o homem acaba e a alma começa.[2]

Alma que se manifesta através da nossa consciência (ou será ela própria a consciência?), sem que todavia nós saibamos onde ela mora dentro de nós – nunca aparecendo em nenhuma autópsia…
Nessa altura tenho esperança que os mistérios se revelem e a vida faça, finalmente, sentido.

Entretanto estou em crer ser boa ideia debruçar-nos sobre o sentido da vida que aquele Menino, cujo nascimento comemoramos há 2014 anos, nos deixou.

Estimo um Santo Natal para todos.




[1] Um dos maiores etnólogos portugueses de sempre (1907-1973), in “Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa”.
[2] Não vou agora entrar na discussão do que é a alma e o espírito e se ambos os conceitos são idênticos ou diferentes…

3 comentários:

Mário disse...

Parabéns pelo belíssimo texto.
O assunto nele tratado também é objecto da minha constante reflexão e ainda não tinha chegado a explicações, ou conclusões, tão perfeitas.

Feliz Natal, todos os dias do ano e da vida.
Mário Roseira Dias

Anónimo disse...

Sempre um gosto!
Feliz e Santo Natal, meu tenente coronel.
D. Pinto

Zé Quintão disse...

Caro Adamastor: parabéns, porque eis por aqui, um grandioso ensaio,
que esvazia falsos pressupostos, evidências, vaidades e outros acessórios que os homens teimam que lhes comandem as vidas. Vivemos uma época, onde o humano enganado, pendura nas suas janelas, um pai natal, que não é mais do que, aquele lhes fará uma acção de despejo para a rua, se não lhe pagarem a prestação agiota na qual os aprisionou. É tempo de falarmos sobre a essência e a verdade, mas a que está ao alcance de nós humanos tal como somos. É tempo de encarar, o mundo tal como ele é; com o inverno, a velhice, o aforro e equilibrio, não com as realidades que nos impingem olhos dentro, como se à tempestade, não surgisse a bonança, como se após a juventude não surgisse a velhice, como se o hoje não tivesse um amanhã que devesse ser olhado com atenção, tal como se certos governantes não morressem e que devessem ter amado o seu país, como se os castelos no ar, se sustentassem e perdurassem...
Muito obrigado por esta reflexão, tão longe dos centros comerciais e tão perto do presépio e da nossa existência tal como a podemos e sabemos conceber.
Aproveitemos o momento, para refletir nas coisas que dão sentido à nossa existência, desviando e abdicando das formatações impostas pelos "ganhadores" da nossa praça, os mesmos que nos pôem pais natais a subir varandas e prédios, como se fossem precisos mais ladrões, quando é sabido que eles nos entram pela porta, pelos tubos e contadores do gás, da água e electricidade...
Boa saúde e um melhor ano de 2015 para todos.