segunda-feira, 26 de agosto de 2013

INCÊNDIOS EM PORTUGAL

Pelo interesse que ultimamente tem suscitado o artigo "MDN, MAI, Incêndios e Asneiras Escusadas" volto a publicar um outro escrito em Agosto 2004 (publicado no "Expresso" um ano depois...) sobre o mesmo tema.

Ambos os artigos não esgotam o tema e alguns aspectos apontados há quase 10 anos, já se tentou corrigir.

É lamentável que não se consiga resolver, em Portugal, um único problema grave...


O “NEGÓCIO” DOS INCÊNDIOS

“Digo-vos – pois estes calam e nenhum não fala – que quero eu falar por mim e por eles”.
Um escudeiro a Gonçalves Vasques
Crónica de D. João I, por Fernão Lopes

Se a quantidade de água lançada sobre os fogos fosse equivalente à torrente de palavras, artigos, entrevistas e acções mediáticas que sobre a temática em questão já foram ditas, escritas e efectuadas, certamente que viveríamos sem labaredas na próxima década. O problema é que às palavras da boca para fora não se seguem as acções adequadas.

Com isto dito pareceria sensato abster-nos de verter no papel uma qualquer outra verborreia. E no entanto é isso que fazemos. A razão é simples: pensamos que apesar de tudo o que tem sido dito, 90% aplica-se a efeitos e não a causas e por isso não há soluções que resultem.

E, demos conta, que no fim de três décadas em que passou a haver incêndios a eito (eis a primeira reflexão a ter em conta!), só o ano passado houve a coragem de pôr o dedo nalgumas feridas.

Devemos começar por referir algumas evidências:

Desde sempre que houve florestas; desde sempre que houve pessoas – e o seu grau de educação sempre tem evoluído; sempre houve pirómanos e desequilibrados; sempre houve calor e outros fenómenos meteorológicos propiciadores a fogos; as preocupações com o ambiente têm aumentado (e bem) exponencialmente; os meios tecnológicos à disposição são cada vez mais e melhores, etc.; tem havido tudo isto, mas o número de incêndios florestais (é desses que estamos a tratar), não cessa de aumentar!

Outra constatação é que se trata de um fenómeno complexo e interdisciplinar (e por isso interministerial) e é tendo isto em conta que deve ser tratado. Aparentemente as investigações feitas a nível da Polícia Judiciária, não revelaram até agora nenhuma teia de nexos. Provavelmente a razão está no que dissemos atrás: não haverá apenas uma “teia”, mas várias...

Julgamos que a principal razão que leva a este aumento de fogos, cuja esmagadora maioria vem a público como tendo origem criminosa – embora sempre difusa – tem a ver com “negócios” a que se convencionou chamar “o negócio do fogo”, ou “a indústria do fogo”. Ou seja, quanto mais dinheiro o governo anunciar que vai injectar no combate aos fogos, mais fogos irá haver...

Sem querermos referir dados concretos iremos dissertar sobre algumas áreas onde o “negócio” do fogo pode ter lugar e noutras onde o “combate” não se está a fazer com a desejada eficácia. O assunto é melindroso, mas tem de ser tratado. Não se pretende lançar acusações ou generalizar, mas é preciso “podar os ramos podres” para não matar a árvore. A pergunta tem que ser posta e é esta: a quem interessará o fogo?

Eis algumas hipóteses sem preocupação de hierarquia:

- Ao “negócio” da compra e venda da madeira; a madeira queimada é mais barata, dá lucros a curto prazo, mas é suicidária a longo prazo;

- Às celulosas, no sentido em que poderão querer promover a substituição do coberto vegetal por outro de crescimento mais rápido e melhor para o negócio do papel;

- À especulação imobiliária, no sentido de favorecer o “negócio” da compra e venda de propriedades;

- Ao “negócio” da caça privada versus caça pública, atente-se às polémicas havidas;

- Ao “negócio” das indústrias relacionadas com o combate a fogos, viaturas, equipamentos diversos, extintores, compostos químicos, etc., alguns dos quais estão relacionados com elementos da própria estrutura de comando de bombeiros (como chegou a vir a público no ano transacto);

- Ao “negócio” dos meios aéreos para combate a incêndios. Este negócio disparou nos últimos anos. Até ao governo do Engenheiro Guterres a maioria dos meios aéreos envolvidos pertencia à Força Aérea (FA), que tinha gasto nos anos 80, cerca de 200.000 contos em equipamentos.

Nessa altura, cremos que em 1997, o Secretário de Estado Armando Vara entendeu (vá-se lá saber porquê!)[1] , que não competia à FA intervir nos incêndios mas sim que deveriam ser contratadas empresas civis. Compreende-se mal esta atitude a não ser pela sanha existente por parte da maioria dos políticos em menorizar os militares e as Forças Armadas. Certo é, também, que a FA não paga comissões.

No meio disto tudo – o que acresce à complexidade - há um sem número de hipóteses de mão criminosa que passa por vinganças pessoais; as consequências da última lei sobre baldios; queimadas mal feitas ou ilegais; pirómanos (e alguns irão porventura parar aos bombeiros), questões derivadas de heranças e os eternos descuidos e negligências.

Os investigadores têm, como podem os leitores aperceber-se, muito por onde se entreter...

No campo da prevenção e combate tem reinado a confusão, o “complexo de quinta” e a inadequação.

Nesta última encontram-se as leis e o processo de as aplicar e julgar. Falar sobre isto exigiria um tratado. Em síntese as competências entre Ministério Público, Tribunais e Polícias tem provado nas últimas décadas ser de uma grande ineficiência e fonte de problemas; o Código Penal e o Código de Processo Penal favorecem os criminosos, castigam o cidadão honesto e prejudicam o trabalho da polícia e, a montante de tudo isto e envolvendo-o como um espartilho, existe uma contumaz subversão da autoridade.

Ora urge fazer leis que ponham regras à venda de madeira queimada; no plantio de coberto vegetal; à obrigatoriedade da limpeza das matas e abertura de aceiros; à proibição de qualquer tipo de construção em área ardida durante “x” anos; à equidade na distribuição de terrenos destinados à caça e mais um sem número de coisas relacionadas com esta questão. E, claro, é necessário expeditar a constituição e resolução de processos e julgar e penalizar todo o indivíduo ou organização que tenha cometido um ilícito. E de não os soltar logo a seguir.

A estrutura da protecção civil que coordena o combate aos incêndios prima sobretudo pela falta de clareza. Isto é, não estão devidamente atribuídas responsabilidades de comando de que resulta uma evidente dificuldade na atribuição de meios e prioridades e no apuramento de responsabilidades. Para melhorar esta área torna-se necessário combater o “complexo de quinta” (muito arreigado!) e arranjar uma estrutura com comando centralizado e execução descentralizada; estabelecimento eventual de níveis diferenciados de decisão e linhas claras de autoridade. O afastamento dos militares de toda esta estrutura foi um erro crasso que após a debacle do ano de 2003, já foi parcialmente corrigido.

Temos a seguir o problema dos bombeiros. Os bombeiros sendo os “soldados da paz” (parece que só se pode criticar os soldados da “guerra”...), pelos serviços prestados e pela maioria ser voluntária goza de natural prestígio em toda a população. E têm estado até há pouco acima de qualquer crítica. Ninguém nem nenhuma corporação devem estar acima de qualquer crítica. O Estado tem-se valido do elevado número de corporações voluntárias para poupar nos sapadores, profissionais. Ora as exigências da sociedade actual não se compadecem com este estado de coisas. Acresce que qualquer pessoa pode ser “comandante” de um quartel de bombeiros voluntários e que a instrução e disponibilidade deixam muito a desejar. Basta aliás olhar para o fardamento e atavio para se duvidar da operacionalidade existente. Há pois que impôr alguma ordem neste estado de coisas.

Finalmente os meios aéreos. Somos de opinião que os meios de combate a incêndios devem estar na FA. Só quando estes forem insuficientes se devem alugar outros. Haverá apenas que compatibilizar as exigências e sazonalidade desses meios com as condicionantes operacionais e de dispositivo militar. Mas isso não parece ser obstáculo intransponível. Acordos de cooperação entre países amigos poderão e deverão ser feitos para optimizar os recursos.

Os incêndios são a todos os títulos uma calamidade para Portugal que se repetem numa cadência previsível.

Por isso não se entende o descaso, a incompetência e a falta de vontade política que os sucessivos governos têm demonstrado face a tão gravosa situação. Parece que criámos um sistema político e uma sociedade que convive com todos os problemas e tolera todos os vícios. E não resolve nenhum.

_____________________________________
[1] Apesar de constar nas missões secundárias da FA e o secretário de estado não ter competência para as mudar...

7 comentários:

Ricardo A disse...

Para mais detalhes proponho o sítio do diário de um bombeiro http://networkedblogs.com/OrfXW neste link/artigo

Anónimo disse...

Raro era ouvir-se falar em incêndios na Madeira. O ano passado houveram lá grandes incêndios e este ano também será que descobriram ali um negócio também?
Marco Santareno

Unknown disse...

Sr. Brandão Ferreira

Cumprimentos,

Deixe-me dizer que concordo totalmente com as suas apreciações. Não sou letrado mas tão bem o compreendo!
Aprecio as suas dissertações pela frontalidade, objectividade e fundamentação com que as apresenta.
Gostaria, se me permitisse, de acrescentar ou adiantar mais alguns pontos que parecem correctos.
O fogo tem sido e é um flagelo.

1º Como saberá, nem todos os baldios estão entregues a Assembleias de Compartes ou outras gerências, o que significa que são responsabilidade directa do estado. Ora no que toca a prevenção ( limpeza de matas), o estado não dá o exemplo, não limpa nada.
Talvez os guardas florestais, radicados nas devolutas casas florestais façam falta, ao menos viam quem entrava e saída da mata.

2- No que concerne aos processos de legalização de heranças, estes são morosos e caros. É horrível. Certamente que haverá “ milhentas” propriedades que não valem a sua legalização e fazendo contas mais vale esquecer.

3- Depois verifica-se que o Comando Distrital de Protecção Civil, logo que há um incêndio, faz deslocar a “ barraca de comando” para um local estratégico na área do incêndio, para coordenação, creio eu.
Ora, a verdade, por mim constatada, é que os meios aéreos atacam tardiamente os incêndios, os bombeiros amontoam-se nas bermas das estradas às centenas ( também para aparecer na televisão), e os populares( quem de facto conhece os terrenos e acessibilidades) são escorraçados pela GNR, deixando os seus haveres ao “deus-dará”. Bem reconheço a segurança das pessoas mas é um exagero.
Os populares pedem ajuda para apagarem o fogo e a “desculpa” é a seguinte: “ Não temos ordem do comando para avançar”. A água escorre dos tanques! É triste! Dá vontade de rebentar com a dita “ barraca”. Deixo aqui este desabafo. Porque será que isto acontece? Propositadamente/interesse ou burrice?!

4- Finalmente, uma situação que também não me parece correcta. Talvez até ridícula. Bem sei que no nosso país existe liberdade de imprensa, mas os meios de comunicação social, talvez pela guerra das audiências, exploram excessivamente o tema, com filmagens directas do fogo, o que me parece que não abona em nada (para o melhor e para o pior), bombeiros a fazer que apagam um pequeno foco de chamas e comentários extremamente empolgantes mas medíocres e falsos, com as desculpas do costume, os maus acessos, o que não maioria dos casos é completamente falso.

É esta também a minha humilde apreciação.



São Pedro do Sul, 27/08/2013

Fernando Ferreira

Unknown disse...

Sr. Brandão Ferreira

Cumprimentos,

Deixe-me dizer que concordo totalmente com as suas apreciações. Não sou letrado mas tão bem o compreendo!
Aprecio as suas dissertações pela frontalidade, objectividade e fundamentação com que as apresenta.
Gostaria, se me permitisse, de acrescentar ou adiantar mais alguns pontos que parecem correctos.
O fogo tem sido e é um flagelo.

1º Como saberá, nem todos os baldios estão entregues a Assembleias de Compartes ou outras gerências, o que significa que são responsabilidade directa do estado. Ora no que toca a prevenção ( limpeza de matas), o estado não dá o exemplo, não limpa nada.
Talvez os guardas florestais, radicados nas devolutas casas florestais façam falta, ao menos viam quem entrava e saída da mata.

2- No que concerne aos processos de legalização de heranças, estes são morosos e caros. É horrível. Certamente que haverá “ milhentas” propriedades que não valem a sua legalização e fazendo contas mais vale esquecer.

3- Depois verifica-se que o Comando Distrital de Protecção Civil, logo que há um incêndio, faz deslocar a “ barraca de comando” para um local estratégico na área do incêndio, para coordenação, creio eu.
Ora, a verdade, por mim constatada, é que os meios aéreos atacam tardiamente os incêndios, os bombeiros amontoam-se nas bermas das estradas às centenas ( também para aparecer na televisão), e os populares( quem de facto conhece os terrenos e acessibilidades) são escorraçados pela GNR, deixando os seus haveres ao “deus-dará”. Bem reconheço a segurança das pessoas mas é um exagero.
Os populares pedem ajuda para apagarem o fogo e a “desculpa” é a seguinte: “ Não temos ordem do comando para avançar”. A água escorre dos tanques! É triste! Dá vontade de rebentar com a dita “ barraca”. Deixo aqui este desabafo. Porque será que isto acontece? Propositadamente/interesse ou burrice?!

4- Finalmente, uma situação que também não me parece correcta. Talvez até ridícula. Bem sei que no nosso país existe liberdade de imprensa, mas os meios de comunicação social, talvez pela guerra das audiências, exploram excessivamente o tema, com filmagens directas do fogo, o que me parece que não abona em nada (para o melhor e para o pior), bombeiros a fazer que apagam um pequeno foco de chamas e comentários extremamente empolgantes mas medíocres e falsos, com as desculpas do costume, os maus acessos, o que não maioria dos casos é completamente falso.

É esta também a minha humilde apreciação.



São Pedro do Sul, 27/08/2013

Fernando Ferreira

Anónimo disse...

Sr TC Brandão Ferreira

Mais uma vez a sua visão clara nos ajuda a compreender esta calamidade que tristemente nos atinge, todos os anos, e em crescendo.

Ouso, todavia, dar mais umas achegas ao assunto:

1)Na Prevenção dos incêndios:

a)Faltam, vigilantes e auxiliares no ataque a incêndios os Guardas Florestais criados pelo Estado Novo e que "mentes brilhantes" aboliram.

b) Faltam os Cantoneiros das Estradas, pelas mesmas razões apontadas em a).

Porque é que não se dá trabalho aos desempregados com absoluta necessidade de trabalhar e desejo de serem úteis a si e ao País?

c) Os pequenos Proprietários não podem resolver por si sós a limpeza das suas matas e outros terrenos. O custo dessa limpeza é elevado e não compensado pelo que as terras ou a floresta possa eventualmente produzir. Neste aspecto da limpeza, o Estado é igualmente muito culpado pois dá o pior dos exemplos: faz muito pouco ou nada.

d) A população que outrora habitava as regiões onde se verificam os maiores incêndios, tem-se reduzido ao mínimo, os descendentes vieram para as grandes cidades e para o Litoral e como não conseguem tirar qualquer rendimento das terras que lhes pertencem, abandonam-nas chegando-se ao ponto de desconhecerem o que lhes pertence e as respectivas estremas.

e) Culpadas também são muitas das Autarquias e o Ministério da Agricultura que só se preocupam em cobrar as taxas que instituíram e não auxiliam eficazmente o proprietário na gestão dos seus próprios terrenos.

f)Todos os Bombeiros (Voluntários ou não)deveriam ter um papel muito mais activo nos períodos fora da "época dos incêndios" (estúpida designação) para treinarem e dinamizarem as limpezas, os acessos e o conhecimento real dos terrenos (topografia, acessos, linhas ou reservas de água, linhas de alta tensão, etc.) onde podem ocorrer os grandes incêndios.

g) Impõe-se ainda a existência permanente de Vigilantes em terra e no ar nas épocas e zonas críticas, pagos convenientemente para se lhes exigir toda a eficácia possível.

2) Os interessados no "Negócio do Fogo":

a) Acrescento o seguinte:

Numa encosta, a velocidade do vento é muitíssimo atenuada pelo coberto vegetal.
Quando se pretenda ter bons ventos, constantes, para manter uma indústria que ainda por cima é subsidiada e dará grossos lucros, a qual entretanto se montou no cimo das nossas serras, é de todo conveniente ter o terreno à volta bem limpo...
Para bom entendedor...

2)Durante os Incêndios

a) As mulheres para apagar os fogos não me parece que seja uma boa solução, do mesmo modo que a mulher soldado o não será.
A mulher, pela sua estrutura física e mental é acima de tudo, um ser destinado à Retaguarda (TÃO OU MAIS IMPORTANTE que a Vanguarda), à constituição, protecção e apoio à Família ou ao Grupo onde se insere.

No que diz respeito ao equipamento usado pelos Bombeiros também passam os anos e não se vislumbra inovação: equipamento mais potente e mais eficaz.
Por vezes as televisões dão imagens deprimentes de Bombeiros que mais parece que estão regar o jardim do que a apagar fogo com eficácia, por carência de meios modernos.

3) Depois dos incêndios

a) É urgente o abate do resíduo queimado e o imediato plantio de novas espécies menos atreitas ao fogo, feito sob o alto patrocínio das Universidades, utilizando os Desempregados, os Encarcerados e os Auxiliados pela chamada Inserção Social e por fim os Militares se "ainda os houver!".

b)Os Tribunais se ainda têm um pouco de respeito "Pola Lei e Pola Grei", têm o dever de punir com dureza e firmeza todos aqueles que comprovadamente cometeram o crime de fogo posto e aqueles que estejam sob suspeita devem ser permanentemente vigiados.

Para tudo o que acima exponho falta aos mais altos responsáveis, a meu ver:

VONTADE POLÍTICA,
HONESTIDADE MORAL,
PATRIOTISMO.


Os meus cumprimentos

Manuel Alves






Paulo Selão disse...

O meu humilde contributo para a discussão:

http://pedra-no-chinelo.blogspot.pt/2013/09/carne-pra-canhao-cronica-de-um-desastre.html

Cumprimentos a todos e em particular ao Sr. Tenente-Coronel Brandão Ferreira, a quem cito no meu artigo.

FD disse...

Excelente artigo, veja-se o exemplo aqui bem ao lado:

http://www.ume.mde.es/